10/09/2010

Dentro do Prazo

Existiu um indiano franzino de óculos redondos, cabeça rapada e enrolado num lençol que disse uma vez não existir caminho para a felicidade mas que a felicidade era o caminho.Embora um pouco mais musculado, lentes progressivas, algum (pouco) cabelo e fato de treino, ía sendo invadido por este pensamento à medida que amadurecia a ideia de dar sossego à minha vida profissional, vulgo reforma, mais próxima da conotação luterana que absentista. É que as coisas para valerem a pena não dependem apenas do tamanho da alma mas também e especialmente se acreditarmos verdadeiramente nelas de modo a prosseguirmos a caminhada.Acredito que, tal como eu, também muitos(as) de vocês já deixaram de acreditar, mas também sabemos que o final do mês chega cada vez mais tarde. Por isso, preferi fazer as malas e apanhar este comboio a esperar por um avião que porventura nunca irá tirar as rodas do chão.Decidi sair antes que a indiferença tomasse o lugar da saudade e a apatia devorasse a ambição. Quero preservar alguma boa imagem do que resta da minha escola. Sim, porque esta já deixou de ser a “minha” escola. Não a da Areosa, obviamente, porque essa tem gente por dentro e por fora, mas aquela outra que me querem impingir de fora para dentro.Até mesmo à “nossa” lhe retiraram agora a identidade, qual filha de um Deus menor, em nome de números maiores, comendo-lhe os bispos e as torres, cavalgando na nossa obediência de peões sem rei nem roque, desprotegidos até ao xeque-mate final. Eu diria, numa atitude muito pouco Nobre, ou não me chamasse eu António.Talvez seja deformação profissional ou vocacional (sempre fui um homem da competição), mas quando não podemos endireitar aquilo que achamos torto, é melhor retirarmo-nos antes que nos entortem a nós. E quando deixamos de controlar todas as variáveis que condicionam a nossa actuação diária, ficamos mais facilmente expostos ao insucesso.Não vou fazer o número da rábula saudosista e pedir de volta a escola dos tinteiros de porcelana ou da menina de cinco olhos, embora esteja convencido que o futuro já não é o que era. Apenas direi que gostava de uma escola onde não se subestimassem os professores e se lhes retirasse estatuto, onde se promovesse menos a ignorância do que o êxito. Onde o “não” fosse afirmativo de disciplina e o “sim” deixasse de ser negação de autoridade e onde o facilitismo e a negligência dessem lugar à exigência e ao rigor. Onde não se subvertesse a importância relativa entre a instrução e a educação e a família reassumisse o seu papel nuclear na formação da personalidade dos seus filhos.Foram dezassete os anos durante os quais atravessei estes portões (contando com aquleles outros que já desapareceram), exactamente metade do meu percurso profissional. Nunca me encostei a nenhum deles à espera de boleia. Sempre preferi ser eu a guiar o meu próprio destino. Por isso, a decisão. Condicionada, mas decisão. Receio pelos que ficam e, sobretudo, pelos vindouros, condenados a uma insegurança profissional sem precedentes, que condicionará inevitavelmente comportamentos e atitudes, facto impensável ainda há bem pouco tempo.De todos aqueles e aquelas com quem convivi, de colegas a funcionários(as) ao longo de todos estes anos, levo alguma coisa comigo. Como dizia Exupéry “aqueles que passam por nós não nos deixam sós; deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.” Com todos eles(as) aprendi e cresci profissionalmente. Quanto mais não fosse, só por isso vos estaria grato.Como dizem os treinadores quando perdem (exceptuando o Mourinho, obviamente), "afinal não passou de um simples jogo, há mais vida para além das quatro linhas". Para além de já ter passado a minha época "especial", também concordo que existe mais vida para além dos muros de uma escola, mesmo que ela seja a "nossa". É lá que tentarei concretizar projectos em hibernação, durante muitos Outonos que espero ainda floridos.A todos(as) aqueles(as) que me acompanharam nas boas e nas más horas durante este longo percurso quero deixar expresso o sentimento de profunda amizade e dizer que poderão contar comigo para o que der e vier em especial se o que aí vier não fôr nada de auspicioso, como parece.Um dos últimos livros de José Gil teve como mote este lamento genuínamente português e tão bovinamente repetido : "É a vida...". No final deste meu "desabafo" apetece-me acrescentar: que devemos saborear enquanto estamos dentro do prazo!Um abraço de gratidão e de muita amizade a todos(as).

António Torres

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